Entrevista com Arnaldo Carneiro. Cerrado: produzir e conservar
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Arnaldo Carneiros é pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Especialista em pesquisas com ferramentas de geoprocessamento, Carneiro tem usado essa tecnologia para mediar o potencial de expansão agrícola no Cerrado, sem conversão de novas áreas.
Essa pesquisa, segundo ele, é uma tentativa de contribuir com o ordenamento territorial dessas áreas, oferecendo dados científicos para que gestores públicos possam conciliar a expansão da produção agrícola com a de áreas protegidas.
Com agenda cheia, entre viagens a campo e extensa agenda no exterior, Carneiro encontrou tempo para responder a nossas questões sobre suas análises.
1-Qual a hipótese da sua pesquisa?
R - Derrubar o falso dilema entre produzir e conservar o Cerrado. Para isso, cruzo dados que tenho levantado em viagens de campo, imagens de satélite e informações amealhadas junto às principais empresas do agronegócio que atuam no bioma. O chamado grupo ABCD – ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. Pretendo também avaliar qual o possível impacto do desmatamento zero ou moratória da soja na produção agrícola.
Com a ajuda das imagens de satélite é fácil mostrar como estas infraestruturas do agronegócio tem desenhado os territórios. Observe os mapas:
2 -Quais os critérios para definir uma área com alta ou baixa aptidão para a agricultura ou conservação?
R – Tivemos o apoio da Agrosatélite, que desenvolve tecnologias para esses fins. Os critérios são os mesmos usados pela Embrapa. O coeficiente vem do cruzamento de dados sobre clima, solo, declividade e altitude da área. Quando há restrição de um ou mais fatores, determinamos subclasses de aptidão.
3 – Alguns estudos têm apontados impactos das mudanças do clima no Carrado, como seca a aumento das temperaturas. Isso não mudaria os critérios de aptidão?
R - Sem dúvida, são indicadores importantes, mas infelizmente poucas vezes consultados pelos agricultores ou empresas que expandem suas atividades principalmente na região do Matopiba. Onde dados preliminares mostram que a crise climática será pior ali do que em Goiás, por exemplo.
Temos feito também estimativas de quebras de safra na região do Cerrado e demonstrando a inviabilidade de certas áreas localizadas no interior desse bioma. O prejuízo ecológico e econômico também está sendo avaliado.
Para ter mais dados sobre isso, estamos construindo uma plataforma interativa que vai ajudar a desenhar futuros cenários climáticos para o Brasil. Tanto na Amazônia como no Cerrado, apontando as implicações na agricultura desenvolvida nesses biomas. Com a redução de chuva, por exemplo. A plataforma deve estar disponível no site do Observatório do Clima brevemente.
4 - O critério de aptidão agrícola em áreas prioritárias para a conservação não acaba gerando um conflito ainda maior para os gestores fundiários?
R – Pelo contrário. Uma depende da outra. A agenda de conservação do Cerrado, dadas as circunstancias políticas que vivemos, só tem chances de crescer se formos capazes de demonstrar que conservação pode expandir sem atrapalhar a agricultura.
O cruzamento das aptidões agrícolas com as prioridades de conservação permite identificar um potencial de negociação de uma agenda de conservação em remanescentes com baixa ou nenhuma aptidão agrícola. Dos 93 milhões de hectares estudados, pelo menos a metade poderia ser negociada para expansão das áreas protegidas, sem confronto com o rural, como mostra o gráfico abaixo:
5 - O SNUC e a Lei de Gestão de Florestas Públicas são suficientes para resolver esse impasse?
R – Sim. A própria Lei de Proteção da Vegetação Natural (antigo Código Florestal) tem dispositivos que possibilitam a negociação de novas unidades de conservação. No entanto, não me parece que o problema esteja nas leis, nas regulamentações.
6 – Os gráficos mostram também que há uma extensa área com alta aptidão para agricultura no Mato Grosso. E parece que está sendo cada vez mais ocupada. Dá para dizer que é uma boa notícia?
R – Sim. O Mato Grosso mostra que é possível expandir agricultura sobre pastagens, sem perder a capacidade produtiva da pecuária. O aumento do desmatamento registrado ali pouco tem a ver com as dinâmicas produtivas. O principal vetor, é a velha picaretagem, cometendo ilegalidades, sem vínculo com as demandas dos mercados formais.
7 - Já na região conhecida como Matopiba parece estar acontecendo o contrário. É necessariamente uma má notícia?
R – Infelizmente, sim. Maropiba não tem estoque de pastagens suficiente para abrigar a expansão da produção de grãos. O problema é que há bastante terra barata na região. E para piorar esse mercado tem sido turbinado por investimentos vindos de fundos de pensão americanos, alemães e até noruegueses. Esses fatores somados resultam em um desmatamento absolutamente desnecessário. Nossas analises mostram que a região abriga só 10% das áreas com alta e média aptidão agrícola, enquanto Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm 45%. Minas Gerais tem 17%. Veja figura abaixo.
8– É possível fazer um amplo ordenamento territorial no Cerrado? Qual o caminho?
R- É muito importante que tentemos engajar o setor privado nesta estratégia. Tive excelentes conversas com o alto escalão da ABCD. Percebo que bancos de investimentos como o BID e Banco Mundial têm demonstrando grande interesse no assunto.